Entrevista: Masaaki Hatsumi Sensei (Tokyo Journal)
Masaaki Hatsumi Sensei (EntrevistaTokyo Journal)
"Os Ninjas foram tão bem sucedidos em manter suas artes,
métodos e atividades ocultas da história que quase foram excluídos da
história da humanidade por esse motivo. Achar mitos, folclore, textos
antigos e até mesmo desenhos relacionados a imagem do Ninja é muito
fácil no Japão atual. Achar algo que seja verossímil com a realidade é
quase impossível. Textos antigos eram escritos em códigos ou em
linguagem floreada fazendo com que os historiadores não consigam
compreender. Isso reforça a ideia popular dos dias de hoje, o
estereotipo errôneo da ideia do Ninja, o que ele era e o que ele fazia.
Através do tempo, as pessoas tendem a esquecer essa história. Folclore e
lendas têm uma base com a realidade. Esses super-homens eram seres
humanos como todos nós".
Entrar no Dojô do 34° Soke é uma experiência e tanto. Somos saudados na entrada por pinturas, fotos, um tatami verde
e um sortido arsenal de armas exóticas. Perto do teto, numa parede há
relicários dedicados aos ancestrais das linhagens das nove escolas
marciais que herdou de seu Sensei. Ele é um Ninja. O nome dele é Dr. Masaaki Hatsumi.
Médico Ortopedista e mestre na arte do Koppojutsu, a arte
científica guerreira de quebrar ossos e de atacar em pontos sensíveis do
ser humano. Ele é um paradoxo vivo. O Grão Mestre age de forma relaxada
e cuidadosa, não como um mago lançando magias e nem como um sargento
treinando seus homens para morrer por uma causa. Ele é leve, rápido e
suave na conversação e às vezes muito cômico.
Nosso encontro parecia predestinado a acontecer quando Sensei Hatsumi
espontaneamente nos alcançou uma foto recente sua aonde ele posa com
seus prêmios recebidos da Família Imperial. Uma honra que foi dada a
menos de cem pessoas desde o final da segunda guerra mundial. A realeza
do Japão não somente reconheceu o Dr. Hatsumi como um autêntico Grão
Mestre de tradições Ninja, mas também como o único remanescente vivo
dessa arte no mundo atual.
Para ele é mais importante levar uma vida simples do que se
sobrecarregar com preocupações quanto a história e tradição. Ele explica
que a essência das artes do Ninja é uma vida regrada como qualquer
outra. As regras do Ninja são simples:
O objetivo do ninja é obter acesso ao território inimigo,
obter o máximo de informação possível para preparar uma estratégia e
sair do território inimigo sem ser detectado de maneira alguma.
Sobreviver é um instinto natural. Isso pode ser observado em qualquer
lugar na vida biológica.
• O Ninja deve sempre lutar pela retidão através de atos de justiça e
reflexão para o aprimoramento de sua alma, seu mestre e parentes.
• Ninjutsu enfatiza a ludibriação. É melhor confundir o inimigo por
espionagem, camuflagem e investigação quando planejar uma estratégia.
• Segredo era um caso de vida ou morte. Qualquer um que traísse o
grupo ao qual pertencia era morto, junto com parentes próximos.
• Um Ninja nunca deve matar outras pessoas, machucar pessoas inocentes ou roubar por lucro ou prazer pessoal.
• Condicionamento físico deve ser mantido em níveis excelentes.
• Artes como música, pintura, poesia, canto e dança devem ser praticadas com entusiasmo.
• O Ninja deve treinar intensivamente em muitas áreas: armas, combate
desarmado, estratégia, análise, entradas táticas, natação,
improvisação, escapes e evasões, disfarce, química, meteorologia e
geografia entre outras.
Estas são as regras pelas quais o Ninja deve viver, as mesmas de 900
anos atrás. Claro que alunos não treinam intensivamente hoje como os
anciões de Iga e de Koga durante o período de guerras civis no Japão.
Mas a essência dos ensinamentos de muitos mestres são absolutamente
aplicáveis aos dias de hoje, mesmo após quase um milênio. Para dominar a
arte do Ninjutsu e permanecer sadio (mentalmente e fisicamente) todos
alunos devem viver por essas regras. Aqueles que quebrarem estas regras
certamente vão se guiar para a cova ou insanidade. O mestre muitas vezes
compara esta arte com as ciências. Assim como drogas podem ser usadas
para matar ou curar, tecnologia para criar ou destruir, o Ninja também
pode ser mal usado para ganhos pessoais ou desejos do ego por
aventuras.
Durante nossa pausa para o chá, Sensei Hatsumi sentou com a equipe do
Tokyo Journal para uma entrevista. Sem discursos preparados ou
pensamentos pré ordenados. Descontraído e com um microfone em sua
frente, o mestre sorri com segurança. Ele é acostumado a isso agora com
milhares de praticantes ao redor do mundo, ser entrevistado e
fotografado faz parte de sua vida.
TJ: Tokyo Journal
MH: Masaaki Hatsumi sensei
TJ: Sensei, é verdade que o senhor é o último verdadeiro mestre de Ninjutsu vivo no mundo?
MH: Não, eu não sou o último, eu tenho meus alunos (Risadas)! A
Bujinkan está aqui e viva. É importante que todos compreendam isso. Eu
não sou o último, na verdade, meu mestre foi o último Ninja em atividade
no real e mais puro sentido do termo.
TJ: Porque aconteceu isso? Porque muitos estilos Samurais
sobreviveram e o Ninjutsu praticamente sumiu na eternidade? Foi por
causa das guerras na história do Japão?
MH: Não, não foram as guerras. Foi o longo período de paz que
conhecemos como período Edo. O Ninjutsu nessa época caiu no desuso e não
foi mais necessário seu uso. Ninjutsu é uma verdadeira arte marcial
combativa que leva uma vida inteira para ser dominada. Eu creio que
nesse período cada vez mais, menos pessoas se interessavam por esse tipo
de coisa….
TJ: Como as três escolas de classe Ninja das nove escolas sobreviveram este período de paz?
MH: Pessoas que realmente amavam e se importavam com artes marciais,
que se importavam com a arte do Ninja, não pessoas que fazem disso seu
sustento são responsáveis. Você cresce e toma conta das coisas que ama
não é mesmo? É natural não acha? É por isso que eu trabalhei como
ortopedista. Eu não fiz das artes marciais meu sustento. Eu realmente
amo o Ninjutsu e as artes marciais. Este é o porque de ter mantido a
tradição viva. É importante manter esse aspecto de nossa cultura vivo
para as futuras gerações e pelo bem de toda humanidade. Por muitas
gerações, mais de 900 anos, Ninjas passaram adiante suas experiências de
vida e morte, assim também como sobreviver e resistir. Eu gostaria de
proteger esses tesouros para as futuras gerações, deixar as pessoas
compreenderem estas lições e como elas poderiam ser de valor para suas
vidas. Isso me deixaria feliz.
TJ: Então, é importante que o professor que ensine artes marciais ou Ninjutsu não faça disso sua profissão/sustento?
MH: Não, não.. você pode! Eu não tenho problemas com isso e não me
importo com isso. O importante é ter amor pelo que está ensinando,
respeito pelo que está ensinando. É importante proteger coisas
importantes pelo bem da humanidade. Hoje em dia pessoas que tem o
interesse em aprender esses importantes tesouros culturais são cada
vezes mais raras. Uma das coisas mais bonitas dos seres humanos é a
habilidade de se importar e amar, querer proteger e a habilidade de
proteger. Em japonês isso é chamado de Ningensei. Portanto, eu acredito
que é necessário cuidar da arte e protegê-la, o que é o mais importante.
Isso ocorre da mesma maneira que em qualquer outro período da história
humana, não somente nos dias de hoje. Isso sempre foi a essência de
nossa arte.
TJ: Como a Bujinkan Dojô é diferente das demais artes marciais hoje em dia?
MH: A arte não foi mudada da forma tradicional ou transformada em
esporte. Além disso o conceito de mudança e variação; nos tempos antigos
pedra e aço eram atritados entre si para criar uma fagulha. Hoje em dia
um isqueiro faz o mesmo trabalho. Isso é o que mantêm minha arte viva e
o porque que eu estou apto a usar pistolas, rifles ou qualquer outra
arma moderna. Esta forma de pensamento é também o que faz a minha arte
diferente das demais artes.
TJ: O Senhor estudou outras artes marciais antes de conhecer o seu Sensei, Takamatsu Sensei?
MH: Sim, foi desse modo que eu cheguei até o meu professor.
TJ: Sensei Takamatsu era famoso?
MH: Ele era famoso entre a comunidade de artistas marciais
profissionais. Existiram muitos lutadores fortes e famosos, mas nenhum
comparável a ele. Você poderia dizer que ele foi o mestre dos mestres da
era dele.
TJ: Sensei Takamatsu lutou na 2º Guerra Mundial?
MH: Não, ele ficou na China por dez anos e teve muitos duelos de vida
ou morte. Ele recebeu a pena capital três vezes durante a sua
permanência, obviamente escapando todas as vezes. A razão pela qual ele
não foi para a Guerra é que ele perdeu a visão de um olho durante uma
briga em sua juventude e não podia ouvir com um ouvido. Essas lesões o
impediram de tornar-se um soldado.
TJ: Era intenção dele de ir a China para conseguir dinheiro?
MH: Ele teve muitos trabalhos na China, inclusive em construção civil.
TJ: Alguns dizem que ele foi um espião?
MH: Bem, um espião? Hhm? Como você diz.. deixe-me ver… ele fez esse
tipo de coisa, sim. Ele era amigo do último imperador e o protegeu.
TJ: Agora que o senhor tem muitos estudantes ao redor do mundo, o que vê para o futuro de sua tradição?
MH: Ahh! Todos eles viraram grandes pessoas! Muitos deles realmente
começaram a entender a minha arte. É por esse motivo que eu viajei o
mundo por muitos anos ensinando a arte. Eu quero que as pessoas
compreendam esta arte. Eu não viajei para disseminar as artes marciais.
Viajei para fazer com que as pessoas compreendessem o que é o Ninjutsu, e
no caminho eu conheci pessoas fabulosas. O futuro da arte está em boas
mãos. Eles viraram um grupo forte.
TJ: Parabéns pelos prêmios que o senhor recebeu da Família Imperial!
MH: Muito obrigado. Eu me sinto agradecido e muito honrado com o
Kokusa Eiysho (Prêmio de Proeza Internacional) e o Shakai Bunka Korosho
(Prêmio de distinção por Serviços para a Cultura & Sociedade). Em
mais de cinquenta anos apenas noventa e duas pessoas receberam esses
prêmios.
TJ: Alunos não japoneses são permitidos a estudar sua arte mesmo em níveis mais avançados, aprofundados?
MH: Sem problemas! Todos iguais. Eu não tenho restrições. Mas os
alunos devem ter um coração puro, senão simplesmente desaparecem. Não é
algo fantástico a arte do Ninjutsu? Pessoas com um coração impuro
eventualmente desaparecem, vão embora. Minha arte somente pode vir a
tona, a viver nas pessoas de bom coração.
TJ: A última pergunta não é diretamente relacionada as artes
marciais, mas o que o senhor pensa sobre o futuro da humanidade? A
humanidade poderá sobreviver pelos próximos 1000 anos? Guerra Nuclear?
Armas Químicas? Poluição no Planeta?
MH: O que a humanidade precisa para sobreviver é observar e corrigir
um ao outro mutuamente! Ajudar os outros educadamente, cientificamente,
fisicamente inclusive nas artes da guerra. Por essas razões é que eu
digo que o meu Dojô é um local para correção e reflexão. É muito
importante para nós corrigirmos uns aos outros! Dizer uns aos outros
“EI! Isso não está certo!”. É sempre válido fazer isso. A humanidade
precisa aprender a harmonizar-se. Harmonizar-se com o planeta, com a
natureza. E para que isso ocorra precisamos ajudar uns aos outros, nós
realmente precisamos de paciência e resistência. Isso é arte marcial!
As artes marciais proporcionam métodos de defesa pessoal,
condicionamento físico e crescimento espiritual. Todos os animais na
natureza tem os seus métodos de defesa. Humanos foram abençoados com o
intelecto superior e dominaram o reino animal com suas artes de guerra.
Para proteger nossa comunidade, família e nós mesmos de perigos, não é
necessário justificativas. Humanos são os únicos animais que podem
escolher entre agressividade e passividade, mas os fatores determinantes
sempre devem ser a retidão e o amor. Quebrar as leis da natureza e usar
as artes marciais para desejos pessoais, poder, fama ou dinheiro
simplesmente leva a decadência da pessoa humana.
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